(Hélio de Moraes – membro da Academia Palmeirense de Letras)
Em 20 de março de 1953, falecia no Rio de Janeiro, vítima de um câncer generalizado, um dos maiores/melhores escritores brasileiros de todos os tempos. Por ser um cidadão à frente de sua época, Graciliano não pode ser reduzido a um escriba regionalista, pois seu conteúdo ultrapassou nossas fronteiras e internacionalizou-se, levando o português a ser traduzido para o inglês, francês, alemão, mongol, russo, iídiche, sueco, norueguês, espanhol, mandarim, italiano, tcheco, iugoslavo, albanês e mais uma Babel de línguas.
O homem extremamente honesto, seco, circunspecto, introspectivo, econômico nos gestos e no falar era direto e ousado em suas ações, crenças – e na falta delas também – e em suas avançadas e críticas avaliações sobre o meio social alagoano, nordestino e brasileiro; avaliações que perduram atualizadíssimas na omissão de ações que poderiam render ao Brasil o título de país sério, não corrompido, não atoleimado feito um rebanho de bodes e cabras que seguem fielmente seus mais perversos abatedores!
Graciliano foi prefeito em Palmeira dos Índios, em cujo governo estão as origens da Lei de Responsabilidade Fiscal em plena década de vinte; foi responsável pela Instrução Pública em Alagoas e, depois, foi “dedurado” como comunista e embarcado para um presídio sob o jugo do ditador Getúlio Vargas, em pleno Estado Novo. Ao ser liberto, não mais voltou a Alagoas embora a amasse, mas devido aos altos graus de traições, às promiscuidades entre o público e o privado e à falta de vergonha de inúmeros conterrâneos preferiu viver e morrer na velha capital federal de São Sebastião do Rio de Janeiro.
De um menino sertanejo que brincava no meio de mandacarus, coroas-de-frade e cobras em INFÂNCIA (rememorando ALEXANDRE E OUTROS HERÓIS), anos mais tarde, até passar por figuras interioranas e seus achaques que rechearam páginas e mais páginas na sacristia de uma igreja – o padre era amigo e admirador do ateu e vice-versa – sendo finalmente batizado de CAETÉS; talvez em homenagem àqueles que devoraram o Bispo Sardinha e comitiva! Nas suas andanças, autointitulava-se como ‘meio cigano’, rabiscava VIVENTES DA ALAGOAS e com sábias e precisas pinceladas da fiel bico-de-pena vai alinhavando LINHAS TORTAS, introduzindo um quê de psicológico e sufocante em ANGÚSTIA e INSÔNIA até afundar nas elucubrações tortuosas de uma família de qualquer recanto sertanejo alagoano, no sisudo e conspiratório SÃO BERNARDO. Homem de pouco sair, foi convencido a passear pelo leste europeu visando um congresso de escritores em plena vigência da Cortina de Ferro, sem se deixar encantar pelo que disseram e tentaram mostrar, mas lucidamente dando os valores correspondentes ao que viu de concretamente bem realizado em termos de avanços industriais, arquitetônicos e sociais/educacionais em uma VIAGEM primeira, já que a última só faria para Buenos Aires, quando as metástases já corroíam aquele organismo dignamente inquieto.
MEMÓRIAS DO CÁRCERE não é um romance, embora tenha todas as suas qualidades…
Na verdade, é um libelo acusatório a figuras rastejantes da politicagem alagoana e a outras que saltitavam macaqueando em torno do Catete e da polícia política do jamais saudoso varguismo, emanadas por um escritor não estabanado, que via com ceticismo a tudo e a todos, mas que sabiamente resolveu deixar para a posteridade um pequeno exemplar do que é ser digno, honesto, idealista, coerente e capaz em uma terra de ‘botocudos’!
Das suas obras literárias, talvez a que mais retrate o sertão nordestino, principalmente quando mais de meio século depois ainda vejamos a velha cantilena do ‘canal do sertão, dos carros-pipas, dos retirantes e das secas’, seja VIDAS SECAS inclusive no seu aspecto mais incisivo que reluz na demonstração de submissão, inferioridade e falta de esperança dos fabianos, sinhás vitórias, filhos e cachorras baleias que vicejam aos montes e vagueiam erroneamente por esse mundão de farturas e de desigualdades criado por Deus…