Isvânia Marques
O cineasta Nelson Pereira dos Santos, primeiro e único cineasta a pertencer à Academia Brasileira de Letras, esteve em terras alagoanas a convite da diretora da Escola de Magistratura – ESMAL, desembargadora Elisabeth Carvalho, com a finalidade de inaugurar a Sala de Cinema daquela entidade. Isso aconteceu na noite de 07 de janeiro quando, após a exibição do longa metragem “Vidas Secas”, o diretor concedeu entrevista sobre seu trabalho e teve oportunidade de abraçar alguns (poucos) atores e figurantes do referido filme (Gilvan Gomes – intérprete do filho mais novo de Fabiano; Gilvan Leite- figurante; as irmãs Rosa e Lúcia Soares – figurantes e sobrinhas de Jofre Soares), todos de Palmeira dos Índios.
Por falar nesta cidade, foi-lhe reservado o dia da sexta-feira (08) para receber também o cineasta. A aventura começou antes de 8 horas, quando saímos do hotel com destino a Palmeira. No meio do caminho, a sugestão de mudança do roteiro da viagem – passando por dentro das cidades de Viçosa, Paulo Jacinto e Quebrangulo – foi acatada por todos, cujos olhos se mostravam sedentos de imagens que mostrassem gente em movimento, a beleza do campo a exibir as flores do mulungu e as casinhas simples pintadas de cores múltiplas e vibrantes ao lado das ruas estreitas e solitárias. Tudo era motivo para um “clic” dos cineastas (o pai, Nelson, o filho, Ney e ao amigo Carlos) num registro inédito da paisagem…
Em Viçosa, a arte se mostrava na praça central, com peças feitas de ferro, destacando a sensibilidade do autor, o escultor Ronaldo Aureliano, evocando nova parada obrigatória para fotos e filmagens. Adiante, Paulo Jacinto se preparava, às vésperas, para a feira livre de sábado. Logo em seguida, apontava Quebrangulo, com seu rio Paraíba já minguando, suas belas e pequenas igrejas nas ladeiras, suas serras cheias de curvas e precipícios, a exibirem uma vista magnífica, exigindo mais cuidado com o freio e mais atenção ao dirigir.
Tudo era encantador aos olhos atentos de quem descobria riquezas nos detalhes, por vezes, escondidos na simplicidade dos transeuntes, no menino que corria de pés descalços à frente do carro, ou no cão que latia e acompanhava nossa equipe até se cansar…
Finalmente, vê-se ao longe o Cristo do Goiti, numa serra distante, anunciando nossa querida Palmeira dos Índios. E o carro ia ao encontro do asfalto liso que revestia a estrada em linha reta, avançando até o perímetro urbano. A escultura do Mestre Graça assistia à passagem daquele que tão bem retratou sua visão do sertanejo forte e crente em dias melhores, escrito em seu livro e repassado para a tela gigante. Acho até que lhe fez algum sinal cúmplice de agradecimento (gesto comum aos velhos “camaradas”), entendido pelo Nelson, sentado à janela do automóvel, esboçando um leve sorriso.
Assim, chegamos ao centro da cidade, diante do local escolhido para recepcionar os convidados: a Academia Palmeirense de Letras. O trânsito parou, enquanto a banda da FUNDANOR – Fundação de Amparo ao Menor se preparava para entoar o Hino de Palmeira. Esta foi, com certeza, uma forma carinhosa de fazer homenagem. O prefeito e sua vice deram as boas-vindas e falaram da satisfação e da importância daquele encontro. Já a imprensa (local e de cidades vizinhas), elaborou perguntas, as rádios fizeram a cobertura ao vivo do evento, e tudo aconteceu dentro dos padrões modestos, porém significativos, de uma cidade do interior.
O almoço atendeu à solicitação dos visitantes que desejavam comidas próprias da região. Apesar da boa disposição de Nelson Pereira e de seu humor agradável, sua esposa cuidava de todos os detalhes, evitando os exageros que sempre atraem o paladar. Afinal de contas, ainda teria uma programação extensa à tarde, com a visita à Casa Museu Graciliano Ramos, local onde já se encontravam duas redes de tevê, à espera do cineasta. Sendo assim, apenas depois de 16 horas, sua agenda de compromissos foi reativada com mais entrevistas, mais fotos, mais novidades…
Sempre que perguntavam ao diretor o porquê da escolha de Minador do Negrão para encenar “Vidas Secas”, há 47 anos, ele respondia: “Meu propósito era o de me aproximar, ao máximo, da realidade do autor, por isso busquei a região onde viveu e se inspirou Graciliano para escrever sua obra”. Ainda acrescentou: “Fazer cinema no Brasil, àquela época, era uma aventura, o elenco era reduzidíssimo, contando com o apoio da comunidade, e o equipamento precário. No ponto de vista financeiro, os investimentos foram pessoais”. Durante toda sua fala, não se cansava de ressaltar a importância de Jofre Soares (ator palmeirense) na produção do filme, inclusive durante as cenas em que atuou a cadela baleia, que se portava tal e qual um ser humano. Aqui, ele frisou a cena polêmica da morte daquele animal…
Quando questionado a respeito do cinema nacional, lembrava da época em que os filmes eram exibidos em salas abertas e não era cobrado um preço tão alto para assistir às películas. Isso sem esquecer que nosso cinema ainda concorre, nos dias atuais, com cerca de 500 a 600 títulos internacionais no mercado cinematográfico brasileiro.
Repetindo depoimento anterior, mencionou que, ao concluir o filme “Vidas Secas”, a equipe técnica mostrava-se preocupada com a escolha da música para montar a sonoplastia (conforme costume). Porém, Nelson retrucou dizendo que não tinha sentido colocar música num filme daquele gênero, onde o ruído do carro de boi, a toada do vaqueiro, a banda de pífanos, tudo isso era muito mais forte e significativo, encaixando-se perfeitamente ao cenário. Aquele som arrastado e insistente do carro de boi (que eu até já havia esquecido) era o grito do sertanejo a clamar por dias melhores, pela esperança tão alimentada por cada sobrevivente…
O sábado encerrou sua visita ao agreste, quando foi acompanhado (além de sua comitiva particular e jornalistas) por alguns líderes de Minador do Negrão até o local onde foram encenadas as gravações de Vidas Secas – a caatinga e a fazenda da família Amorim. O ponto culminante da visitação foi o reencontro do vaqueiro, agora com 78 anos, que contracenou com o protagonista do filme (personagem Fabiano). A prosa com o ator amador, quase meio século depois, trouxe à tona as falas por ele desenvolvidas durante as cenas (pasmem!) e de que ainda conseguia lembrar. Tal acontecimento enriqueceu o documentário registrado pela equipe do cineasta, além de outros improvisos e encenações. Assim, as notícias que me trouxeram ao regressarem à capital resumiam-se na frase “foi tudo uma grande festa!!!”.
Homens como Nelson Pereira não se acomodam ao sucesso nem às lembranças de um passado glorioso, repleto de premiações nacionais e internacionais (Festival de Cannes, por exemplo). Ao contrário, enchem-se de coragem e investem em novos sonhos, buscam novas fórmulas de laboratório revendo pessoas, conhecendo lugares, analisando tipos, descobrindo valores. Por isso, ele afirma com tanta convicção que “os projetos são muitos (…). Ainda este ano, farei dois filmes/documentários sobre Tom Jobim: o primeiro, seu retrato afetivo – com as mulheres ainda vivas que marcaram sua vida; e o segundo, a antologia de sua trajetória musical, contendo gravações com intérpretes de vários países”. Isso e muito mais.
Vamos, então, aguardar e torcer pelo seu sucesso!!!!