• PRIMEIRO LUGAR PROSA – PREMIAÇÃO ESPECIAL

    Postagem publicada em 5 de julho de 2016 por em Textos Literários

     

    UMA BRISA PARA HELENA

    Era noite e as estrelas se amontoavam no céu, assim como, os filhotes em torno da mãe. Exatamente dessa maneira, também estava o pensamento de Helena, que sucumbido de pura elegância sugeriu uma contradança a brisa suave que passara a sua frente, ela por sua vez, destilando um olhar desconfortante, o ignorou. E tocou Helena, fazendo-a sorrir em dentes, olhos e alma talvez. Aquela brisa possuía textura de pétala, voz de maré cheia, cheiro de morango e o aconchego do pijama da infância. De olhos fechados, Helena apreciava os pelos do corpo levantando como se fora uma manhã solar regada a café fresco com amor de primavera. Elas se entediam no silêncio daquela noite, pareciam duas crianças em estado de descobrimento.

    O pensamento aguardava quieto a sua vez. Mesmo sem saber ao certo se algum dia a teria. Este impasse, inquietava-o de tal maneira que cutucava Helena com ponta de flecha, trazendo névoa àquele instante céu aberto. Helena rompeu com a brisa, que até então acordara do transe proposto em almofada feita à mão. Brisa, olho-a com doçura, pois sabia-se do tempo de quem a soprava, entendia-se senhora com rugas ou não, o momento de renascer carregada de leveza. Brisa trazia consigo tudo de bom que há no mundo: lua, montanhas, águas, sons, gente de alma e pão de queijo. Respeitava-se paciente, como quem aguarda a maturação da uva, conservando o sabor e o valor de todo aquele processo.

    Helena, incomodara-se com o pensamento na sua natureza impulsiva e tempestuosa, ele arrastava-a como uma avalanche de neve ou rajadas de vento trazendo à tona uma velha casa que ela afastara há anos. O cheiro de mofo, as cortinas rasgadas, a mancha de vinho no lençol e a madeira que rangia no chão da sala. O pensamento parecia ter pernas e vontade próprias, sentia-se Deus de tudo. Helena, pressionava a cabeça nas mãos delicadas, pinceladas em cor de crepúsculo. Fechava os o olhos com força, gritava incessantemente para que o pensamento sumisse ou fosse embora para qualquer lugar onde os olhos da sua alma não alcançassem. Teimosamente, ele permaneceu, sombreando os caminhos… Passara pela estrada do sítio, em que pés pequenos andavam no barro vermelho. Fazia calor, o sol abraçara com força. E dessa relação surgira rios das nascentes do corpo, passeando pelas terras ditas sólidas. Sentira o sacolejar da carroça, o cheiro do silo e a paisagem sólida tremia como uma miragem no deserto. E o que era o deserto afinal? Areia e mais nada? Tudo e mais nada? Talvez apenas miragem, delírio, sede e fome.

    O pensamento guardava uma espécie de artimanha em seu bolso, em meio ao vazio, ao cheio… E ao passo em que enfiava sua mão calejada e voraz no espaço contido de tecido áspero, levava bruscamente a mão de Helena, de finos traços até onde iniciavam os obstáculos rudes, que arranhavam as peles mais delicadas. Helena sentiu a ardência perpaçar por todos os sentidos, percebeu que alí havia dor e uma insódida miragem de líquido vivo e marcas que jamais a fariam esquecer de fora forçada a sentir o chão mudar-se de lugar bruscamente.  As mãos delicadas de pétala, receberam qualidades de areia, naquele momento.   Podia se permitir a agredir peles igualmente delicadas com fúria de tempestade, mas relutava, pois a lembrança de brisa despertava e a fazia docemente imergir em águas caldalosas… Dedicou o minuto de céu a esperança de tudo aquilo iria acabar.

    E acabou, como um pequeno feixe de luz, aquecendo timidamente a pele. Acalmou-se, como quem bóia em oceanos tranquilos, observando os desenhos das nuvens se movimentarem no céu. A areia foi para fundo do mar, parecia.

    – Sim! (disse Helena)

    Juntou-se ao balancear da mãe maré que, por sua vez, agarrava-a com fortes braços líquidos. Brisa era autora dessa poesia. Não satisfeita, sussurrou uma melodia em forma de sopro em sua orelha macia:

    – Heleenaaa!

    Helena, rompeu com o pensamento! Ao menos, até quando durasse o paraíso.