(Isvânia Marques – professora e escritora)
A pequena cidade histórica de Paraty-RJ preparou seu cenário para homenagear, em sua 11ª edição da FLIP, o mais ilustre escritor alagoano, Graciliano Ramos. Além da programação oficial que centralizava o evento e esgotava a procura dos ingressos – ocupando a tenda e o telão dos autores -, em cada canto da cidade havia, no circuito externo e literário, uma vasta programação off que anunciava temáticas a respeito do Mestre Graça: Flipinha, Flipzona, Off Flip, Flip Mais, Casa Azul, Casa Folha, Sesc, Casa da Cultura e outras mais…
Nós, os alagoanos em Paraty, ficamos encantados com as exposições que davam destaque ao cenário do romance Vidas Secas (talvez porque ele retratasse melhor as mazelas do nordeste e o estilo – também seco – de seu autor), enquanto as praças do Centro Histórico misturavam elementos do folclore nordestino em seus personagens anônimos e inanimados. Sentimos falta – isso sim! – de imagens que marcassem sua passagem em nossa Alagoas, de elementos – mesmo figurativos – que sugerissem a universalidade de seus escritos, a sua multiplicidade e modernidade diante de temas até hoje em voga, ressaltando, acima de tudo, a ética à frente de todas as suas realizações.
Nós, os “caetés”, sentimos a ausência de alguns mestres e estudiosos de nossa terra (poucos, talvez), reconhecidos por seus trabalhos escritos e calcados na pesquisa da vida e da obra do homenageado da FLIP/2013. Alagoas merecia realce maior, especialmente porque o seu destaque era um ilustre alagoano…
Nos discursos dos célebres palestrantes a respeito do homem, do político e do romancista Graciliano Ramos, ouvia-se também (embora sem tanta ênfase) o nome da cidade de Palmeira dos Índios, esta que, se não lhe serviu de berço para nascer, foi-lhe berço para sua literatura romanesca, refúgio para sua arte, iniciada quando o abismo da tristeza lhe abatia após a morte prematura de sua primeira mulher, Maria Augusta.
Graciliano que, em todas as suas obras, deixa declarada sua obsessão pelo sociológico sem, entretanto, conseguir mostrar indiferença à política local, vítima de suas sátiras e a quem destinou um legado respeitável, praticou o respeito e a ética, ressaltando a Justiça em todas as suas vertentes, até mesmo quando enfrentou o dilema da escassez.
Sua atividade à frente da prefeitura de Palmeira dos Índios deu ao nosso país o exemplo maior de que pode-se, sim, governar, contribuir para diminuir a miséria de um povo e nele resgatar a sua dignidade, independente da abundância de seus recursos. Mesmo tendo sido vítima de perseguição política e vingança pessoal, não abandonou seu pensamento reto e justo àquilo que acreditava.
Para Graciliano, ler e escrever são oriundos da capacidade de ler também o mundo. A reflexão surge como leitura de emoção e contenção, em sua capacidade de apontar para nós a sua observação e vivência de mundo, mostrando-se humanamente humano, contrastando com seu estilo enxuto e conciso. Foram as vicissitudes enfáticas para a construção de sua prosa romanesca, cuja temática abordada é “marcada por forte inserção nos contextos sócio-políticos e econômicos, pela solidariedade com os oprimidos e pelo compromisso com o ideal da emancipação humana”, conforme ressaltou o escritor e palestrante Dênis de Moraes.
Antes de se tornar político, foi professor e sentiu de perto as deficiências do magistério, sem a regalia de outras profissões, ao ponto de exercer também um “magistério matuto, voluntário e gratuito” no interior palmeirense e também pensar no professor como o principal responsável pelas mudanças de seu (e do nosso) tempo.
No penúltimo dia da FLIP, exatamente na tarde de sábado, Paraty foi invadida por protestos de manifestantes (semelhantes àqueles que, nestas últimas semanas, estamparam as cenas brasileiras), gritando por “Basta!” à corrupção, aos aumentos abusivos nas passagens de ônibus, à violência (de modo geral, entre civis e policiais) e a tantas outras arbitrariedades que pareciam indiferentes à população.
Graciliano, protagonista da festa e do momento, certamente assistia a tudo e fumava incontáveis cigarros, jogando baforadas que se misturavam à fumaça dos participantes, enquanto soltava um suspiro aliviado pela seriedade do ato, humano, livre e ético, conforme ele um dia ensinou…
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