• Aniversário

    Postagem publicada em 6 de outubro de 2012 por em Textos Literários

     

    ANIVERSÁRIO

     

     

    Luis Fernando Veríssimo

    (Jornal Gazeta de Alagoas, 30/09/2012)

     

     

     

                Eu sabia que esse negócio de fazer aniversário todos os anos iria dar nisso: acabei envelhecendo. Às vezes me pego pensando no que vou ser quando crescer e me dou conta de como minhas opções diminuíram. Não tenho mais idade para ser nada. Só me animo quando vejo uma lista de prováveis candidatos a sucessor do papa. A idade média deles é 70. Ser papa é uma das poucas coisas a que eu ainda posso, realisticamente, aspirar. Mas minha única credencial para o cargo é a idade. Não sou cardeal, não sou nem praticante. Devo ter deixado minha fé no bolso da fatiota azul, de calças curtas, com que fiz minha primeira comunhão. E a única coisa de que lembro do evento, além da fatiota (e da gravata prateada), não é a emoção de receber a hóstia e o rito eucarístico, são os doces que tinha em casa, depois. Acho que foi ali que fiz a minha opção preferencial pela perdição.

                  Invejo quem tem fé, mas não posso deixar de pensar que a minha religião particular, uma espécie de panteísmo urbano (devoção por pastéis e boas livrarias e a crença de que há um deus, sim: o deus do oboé, que além de ser um instrumento divino é o que afina todos os outros), é a única sensata, em meio ao que não deixa de ser – se bem examinada – uma crise mundial do monoteísmo.

               Bons tempos em que, em vez de não ter mais idade, nós ainda tínhamos idade. E sonhávamos com tudo o que viria, quando tivéssemos. Entrar em filme proibido até 14 anos. Beber e fumar. (O importante não era a bebida e o cigarro, era a pose que se fazia bebendo e fumando. Ficar adulto era adquirir a pose.) Beijar como beijavam nos filmes – pelo menos nos proibidos até 14, já que nos proibidos até 18 ninguém sabia o que acontecia. Ficar acordado até mais tarde. Ganhar a chave da casa. Dirigir carro. Usar bigode.

               Ainda não ter idade era ficar pinoteando no partidor, indócil, como um cavalo esperando a largada. Não ter mais idade é ficar com essa impressão que até um ato de revolta por tudo que não fizemos quando tínhamos a idade e agora não dá mais não seria, assim, apropriado para a nossa idade.

               Chama-se  vida essa lenta transformação da frase, de ainda não ter idade para não ter mais idade. Ou de poder ser, teoricamente, tudo o que se sonhasse, a poder ser, teoricamente, só papa. E por pouco tempo.