• Alagoana à beira de um ataque de nervos…

    Postagem publicada em 3 de fevereiro de 2011 por em Textos Literários

    = CONCURSO DE TEMAS LIVRES= PROSA

    Alagoana à beira de um ataque de nervos…

    (Pseudônimo: Tixiliá romântica)

    Vale relembrar um fato que ocorreu em meados de 1997, quando participei do III EIC (Encontro Municipal de Cultura), na cidade de Brasília, acompanhando uma caravana de artistas plásticos alagoanos, sendo eu a única participante da literatura. O projeto era intitulado “Alagoas, presente!”.

    Viajei numa época em que caiam aviões constantemente, por isso despedi-me de meus filhos como se não mais os fosse ver. Deixei-lhes escrito num papel a minha “herança” que se resumia em umas linhas da folha de caderno, preenchidas com números, representando as contas a pagar, sob prestações mensais a serem vencidas. Exasperavam-se quando lhes falava na morte possível durante o voo. E com as heranças. Sei que essa irritação era ainda maior causada pelo medo de me perder. Sei que lhes sou cara e me envaideço disso.

    Finalmente chegamos a Brasília.  O Centro de Convenções ainda se arrumava para receber os seus convidados.

    Encaminhei-me até o guichê de Oficinas Literárias, pois a oficina de estudos por mim escolhida foi a de poesias. Nela havia poetas de todas de todos os gêneros: estudantes, professores, secretários de cultura e escritores de vários estados (e cidades). Havia, inclusive, um soldado que dizia ser, com muito orgulho, poeta.

    Não o discrimino. Louvo-o até, uma vez que revertia o quadro vergonhoso que inundava as notícias a respeito de sua classe (e continua até hoje), desencorajando aquela atitude valente de vestir a farda, anunciar-se poeta, fazendo versos que falavam de amor, de paz, além de demonstrar vaidade em exercer sua profissão.

    Os dias se passaram rapidamente. O melhor, entretanto, estava no final.

    O nosso último dia de “aula” foi marcado por um manifesto que nós, os poetas do EIC, faríamos, em repúdio à morte do índio pataxó, até então impune. Um dos participantes, mineiro inteligente e avançado em suas ideias, chamou a televisão local para registrar o acontecimento. Dos trinta membros inscritos na Oficina de Poesias, compareceram um pouco mais de vinte poetas.

    Fomos à ponte do Bragueto (parece que era esse o nome), no Lago Norte. Fizemos uma fogueira à beira do rio, próximo a umas barracas armadas com mendigos e sem-teto. O poeta mineiro, do alto da ponte (cheia de viadutos) resolveu tirar o paletó. Depois, a calça e os sapatos e a camisa. Ficara apenas de short de banho, em crochê, de cor vermelha, desbotado.

    A tevê já se arrumava e subia até onde nós estávamos. O poeta, protagonista do espetáculo, preparava o salto. E eu lhe perguntava:

    – Você é louco? Você tem coragem? A água está gelada (apesar de ser 11 horas e o sol castigar nossa pele) e você pode se acidentar…

    – O manifesto tem que acontecer, minha loira…

    Saí de mansinho e me aproximei do mais velho de todos os manifestantes . Adorável pessoa. Professor aposentado, poeta e dono de um discurso invejável. Um jovem em suas ideias.  Fiquei de braços com ele. Ao olhar para trás, percebi que o short de crochê vermelho havia sumido. Sobrava (tão somente) o marron da pele verticalmente exposto sobre a ponte.

    Assustei-me. Nunca havia visto um homem nu, assim, em manifesto… a um índio.

    E a tevê aproximava-se de mim e queria saber de onde eu era (havia poucas poetisas) e o que eu achava da atitude do colega poeta. Desviei-me do interrogatório e das câmaras. Quase corri, ainda agarrada ao professor-poeta. Confessei-lhe:

    – Já pensou se assistirem a essa cena lá em Alagoas, conhecida como sou? (Gabei-me). O que meus filhos e meus alunos irão pensar de mim?…

    Daí, respondeu-me o acadêmico das Letras, calmamente:

    – Nesse momento, somos todos cúmplices. Loucos e cúmplices…

    O índio pataxó que me perdoe (afinal a homenagem era para ele), mas o que haverá em comum entre a sua injusta e violenta morte e a nudez de um poeta???

    Pergunto-me ainda hoje e obtenho como resposta a apenas a irreverência de ambas as situações em sacudir o Planalto e intervir naquele espaço urbano.

    O objetivo do tal manifesto foi certamente alcançado: queríamos chamar a atenção da população e torcer para que aquele mergulho lavasse a sua alma e lhe despertasse a retidão acalentada na impunidade já tão comum à vida brasileira.

    Quanto à nudez do poeta, é só um pequeno detalhe…