• HISTÓRIA DO CORAL PALMEIRENSE “PADRE JOSÉ MAURÍCIO NUNES GARCIA”

    Postagem publicada em 19 de março de 2011 por em Maria de Lourdes Ribeiro, Textos Literários

    Um jovem palmeirense retornava à terra natal depois de estudar em  vários Seminários: em Penedo, desde sua inauguração, em Aracaju e no Pio Brasileiro, de Roma, onde se tornou bacharel em Filosofia; também estudou Teologia e línguas como o Alemão, Italiano, Francês, Inglês e Esperanto, adquirindo extraordinária cultura. Luiz de Melo Neves era poliglota e musicista. Em deixando o Seminário, cursou Harmonia no Conservatório de Música de São Paulo.

    Já em Palmeira, nos anos 60, tocava música sacra no seu acordeon durante as missas da Matriz de N. Sra. do Amparo, sob as palmas do Padre Macedo, Vigário conhecido pelo seu conservadorismo e pela aversão que nutria pelas mudanças de comportamento do seu rebanho, sobretudo no que se referia ao vestuário das paroquianas.

    O Coral nasceu do sonho de dois homens: Lula e Maurício Lacerda; este, no dia 21 de novembro de 1 964, abordou o acordeonista Lula, que saía do Banco do Brasil, onde trabalhava, dizendo-lhe acalentar o sonho de um “Natal sem cachaça, mais espiritual”. Luiz Neves confessou que também idealizava “um Coral que cantasse nas festividades da Igreja” (sic). A conversa durou duas horas e propiciou a elaboração de estratégias que levassem à concretização do sonho comum: uma serenata de Natal a quatro vozes. Já em casa, cometeu ao seu irmão Paulo, “baixo profundo, maravilhoso” (sic), a tarefa de encontrar mais ou menos l6 cantores, entre os seus amigos. A busca foi realizada com tamanho êxito que, no dia seguinte, 22 de novembro de l964, dia da Padroeira dos Músicos, Sta Cecília, houve o 1º ensaio na casa dos seus pais, Sr. João Elias e D. Joana. Participaram Maria Ambrósio, Maria Luiza e Geni Tavares (funcionárias do Banco do Povo), Maurício e sua esposa Maria José, Marlesse Gomes Ferreira (excepcional contralto), Virgílio, Osvaldo Wagner e seu irmão Onildo.

    Foram ensaiadas 10 músicas natalinas e, no dia 24 de dezembro do mesmo ano, após a Missa campal, Lula se ajoelhou perante o Bispo da novel Diocese de Palmeira dos Índios, D. Otávio Aguiar, que o abençoou, dando-lhe ânimo novo para a empreitada. Imediatamente, para surpresa dos fiéis que ali se encontravam, teve início a Cantata com a peça “Adeste Fidelis”. A multidão, que começava a se dispersar, voltou e subiu a escadaria da Catedral, querendo ficar pertinho de quantos cantavam tão belas melodias. Nessa noite teve início a mais bela tradição da “Princesa do Sertão”: a Serenata de Natal, onde a Cadeia e o Hospital eram pontos de parada obrigatória para esses mensageiros de Paz e Amor, essência das canções que entoavam. E o Coral, nos seus quase 40 anos de existência, seguia cantando na  madrugada do Natal palmeirense e testemunhando a reação de pessoas humildes e sensíveis que acorriam às ruas, para ouvi-lo: homens e mulheres, alguns em roupa de dormir, expressavam sua gratidão enquanto alguém, incrédulo,  dizia: “Não mereço que anjos cantem  defronte à minha casa”…

    O sucesso foi tão grande que D. Otávio convidou Lula e o seu Coral para abrilhantarem a inauguração da Rádio Educadora Sampaio, do Exmº. Sr. Vice-Governador Manoel Sampaio  Luz, o “seu” Juca. Aceito o convite, cantaram durante duas horas…

    O saudoso Vicentino, escritor e Presidente do International Lions Club de Palmeira dos Indios, Luiz de Barros Torres, também convidou o Coral para a confraternização de Natal daquele clube de serviços, no dia 28 de dezembro. Os Gerentes dos Bancos imitaram-no, para deleite das respectivas  clientelas…

    No ano seguinte, o grande musicólogo e Regente Pe. Jaime Diniz participou, ativamente, da Cantata.

    O Canto Orfeônico, há muito retirado dos currículos escolares, fez a iniciação musical dos muitos jovens palmeirenses que estudaram no Ginásio Cristo Redentor, das Filhas do Amor Divino, e que aprenderam a amar a boa música, fosse folclórica, popular ou clássica. O Coral Palmeirense “Pe. José Maurício Nunes Garcia” continuou, de certa forma, o profícuo trabalho da Irmã Salésia Fernandes. Dele fizeram parte algumas pessoas amantes da música, como as meninas das famílias Carvalho e Tenório Ribeiro, substituídas quando deixaram Palmeira para estudar em Maceió, onde atualmente exercem, com  brilho, as profissões escolhidas.

    Foi então que Gileno Sampaio (por quem o Maestro Luiz Neves nutria grande admiração, graças à sua capacidade de criar e manter, por 40 anos, o Bloco dos Cangaceiros, marca registrada da animação do Carnaval palmeirense) convidou-o  para um programa dominical de música erudita, que foi ao ar durante 5 anos, com o nome de “A Música dos Mestres”. Radioamador que era, Luiz recorria aos amigos do Sul para adquirir as músicas que pretendia divulgar.

    Cheio de emoção, falou-me, de um ouvinte especial: o Apolônio. Achei tão maravilhosa sua narrativa que lhe pedi para “eternizá-la” em fita cassete, para mim, poucos dias antes do seu passamento; ele, entre as dores de uma cãibra e outra, disse-me o seguinte: Sempre que eu saía da Rádio, depois do programa, costumava passar no antigo Coreto da Praça da Independência, onde alguns engraxates trabalhavam. Pra  minha surpresa, enquanto lustrava os sapatos, ouvi o Apolônio assoviar a Serenata de Schubert; emocionei-me, as lágrimas me fizeram sair dali sem nada falar, pois ele elogiava, escancaradamente, o programa e o locutor,  “que falava pouco e dizia tudo”. Aquele rapaz era dotado de uma memória musical rara, mas por falta de oportunidade, sustentava a família engraxando sapato… Foi assoviando a abertura de “O Lago dos Cisnes”, de Tchaikovsky, que ele me provocou uma das maiores emoções que vivi;  não agüentei e saí, para não verem que eu chorava. Eu estava transtornado!  Era uma música divina  a que vinha das profundezas do pulmão daquele rapaz.  Não era do pulmão, não! Não era do cérebro! Não! Era de Deus que ela vinha!”.

    Apolônio morreu vitimado pela tuberculose, sem nunca saber que aquele seu cliente era o produtor de “A Música dos Mestres”, através do qual a sua sensível alma de artista assimilava as belas e imortais melodias com que embelezava a própria vida.

    A discrição era uma das virtudes desse homem exemplar que foi Luiz de Melo Neves. Sempre gostei de conversar com ele, mas nunca o vi tão emocionado quanto nesse momento de recordação do seu programa e do quanto ele influenciara pessoas como Apolônio.

    Lula se foi… Sinto no peito a dor pungente da saudade. Sinto Palmeira e Alagoas mais pobres.

    Escrever algo sobre Luiz Neves e sua obra é, de certa forma, querer compensá-lo (como se isso fosse possível!…) pelo fato de ter ficado à margem das “homenagens às Instituições e às Personalidades Palmeirenses do século XX”.

    Palmeira espera que o Coral encontre um Regente que possibilite aos seus Cantores a continuação desse trabalho que durou 37 anos, ou seja, até que  um AVC  impossibilitou o seu Maestro de sair com o grupo para  a cantata de Natal. (Luiz acreditava que os bons músicos existentes na sua Cidade continuem a sua obra). A sua exemplar lealdade aos amigos levou-o a render homenagem a Fernando, regendo sua Missa de 7º dia, em agosto de 2004, numa superação das suas limitações de então.

    Nesta inconfidência, querido Amigo, a minha homenagem e o meu adeus!

    Lourdinha Ribeiro

    Maceió, 22 de novembro de 2005