José Jofre Soares

CADEIRA Nº 21

ACADÊMICO: Antônio Julião Rodrigues Marques

Jofre Soares, nome com o qual ficou conhecido nacionalmente, nasceu numa manhã ensolarada do seco e sofrido nordeste brasileiro, em pleno agreste alagoano, mais precisamente na pequena e acolhedora cidade de Palmeira dos Índios, no dia 21 de setembro do ano cristão de 1918, do Calendário Gregoriano.
Cursou os estudos preliminares da vida em Palmeira dos Índios e deslocou-se ao Rio de Janeiro onde ingressou na Marinha Brasileira, a ela tendo servido durante vinte e cinco anos e dela tendo se tornado Oficial, até ser deslocado para sua reserva, por tempo de serviço prestado. Sua carreira de ator iniciou-se, apenas, em 1961, quando ele já completara 43 anos, bem vividos.
Devido às singraduras do tempo, Jofre já havia se aposentado da marinhagem e a partir de 1961 começou a dedicar-se, sem formação de ator e por simples diletantismo, ao teatro amador, ousando apresentar ao exigente público palmeirense, como sua primeira encenação, nada menos que “As mãos de Eurídice”, de Pedro Bloch, no palco improvisado do Aero-Clube, prédio de construção, à época, moderna, erguida no final da rua Pinga Fogo.
A trilha sonora do espetáculo, naquele momento, ficou a cargo de um jovem imberbe de nome Julião Marques, signatário desta biografia que, escondido atrás das cortinas do palco, extraía do seu acordeon Scandalli sons e ruídos – não necessariamente nessa ordem – para somar alguma emoção às palavras do ator.
Durante algumas apresentações encenadas, inclusive, em palcos de circos que pela cidade passavam, veio a ser conhecido como ator talentoso pelo cineasta Nelson Pereira dos Santos que, impressionado com a sua teatralidade, convidou-o para fazer o longa-metragem Vidas Secas, focalizado em descrições de livro homônimo de autoria de Graciliano Ramos, um outro palmeirense por adoção.
Jofre costumava propalar, a largos pulmões, que Nelson Pereira o reconduziu à vida quando, com seu convite, o incorporou ao elenco do filme.
Com o célere passar do tempo, Jofre logo despertou a atenção da crítica especializada e viu-se envolvido na participação de outros oitenta e quatro filmes nos quais trabalhou, vezes muitas, sob a direção de Glauber Rocha e Cacá Diegues, entre outros, tornando-se, assim, um dos símbolos maiores do Cinema Novo.
Instintivo e absolutamente espontâneo, tinha o biotipo do nordestino autêntico que se ajustava, à larga, ao perfil cenográfico do interiorano simples, introspectivo, rude, pobre, mas digno ou, também, rico, avarento e crudelíssimo. Em quaisquer situações cenográficas Jofre valorizava à exaustão todos os seus personagens.
No ambiente televisivo participou de diversas novelas, tais como, “Beto Rockfeler”, “Renascer” e “O todo poderoso”, na Rede Bandeirantes, e “Paraíso”, de Benedito Ruy Barbosa, na Rede Globo.
Em “As pupilas do Senhor Reitor” fez sua última apresentação no SBT.
No TBC, Teatro Brasileiro de Comédia, em São Paulo, fez ao lado de Sandra Pêra, “A feira do adultério”, de Jô Soares. De Oduvaldo Vianna Filho (também em São Paulo) fez “Se correr o bicho pega se ficar o bicho come”. Em 1996 dedicou-se à peça “Memórias de um sargento de milícias”, encenada no Teatro e Cine Café Jofre Soares, inaugurado em sua homenagem quatro meses antes de deixar-nos, partindo para dimensões superiores, haja vista ser um anjo, e lugar de anjo não é aqui.
No cinema, entre os anos de 1961 e 1996, protagonizou e, destarte, valorizou de forma ímpar e incontestável os filmes “Vidas secas”, “A hora e a vez de Augusto Matraga”, “O profeta da fome”, “A guerra dos pelados”, “O amuleto de Ogum”, “O trote dos sádicos”, “As cangaceiras eróticas”, “Sagarana: O duelo”, “Exorcismo negro”, “O Jeca macumbeiro”, “Mr. Abacadabra”, “Felicidede é”, “A bolsa ou a vida”, “Angu de caroço”, “Renascer”, “Riacho doce”, “Gato de botas extraterrestre”, “O grande mentecapto”, “Sonhei com você”, “Sonhos de menina”, “Jubiabá”, “Mania de querer” “Jogo do amor”, “Transas e caretas”, “Padre Cícero”, “Gabriela Cravo e Canela”, “Lampião e Maria Bonita”, “Coronel e o lobisomen”, “Dora Doralina”, “Rosa baiana”, “Amélia, mulher de verdade”, “O filho da prostituta”, “Cabocla Tereza”, “Inseto do amor”, “Boi misterioso e o vaqueiro menino”, “Bacanal”, “Milagre – o poder da fé”, “A santa donzela”, “A batalha dos Guararapes”, “Tenda dos milagres”, “A virgem da colina”, “Crueldade mortal”,
“Soledade, a bagaceira”, “Um brasileiro chamado Rosaflor”, “Cada um dá o que tem”, “Pastores da noite”, “Jeca macumbeiro”, “Exorcismo negro”, “Exorcista de mulheres”, “Trindade é meu nome”, “Uma verdadeira história de amor”, “São Bernardo”, “Águias em patrulha”, “Cangaceiro sem Deus”, “Cangaceiro sanguinário”, “A um pulo da morte”, “Dragão da maldade contra o santo guerreiro”, “Corisco o diabo loiro”, “Viagem ao fim do mundo”, “Maria Bonita rainha do cangaço”, “A madona de cedro”, “A virgem prometida”, “Homem nu”, “Panca de valente”, “O abc do amor”, Terra em transe”, “Proezas de satanás na vida do leva-e-trás”, “A grande cidade”, “O grande sertão”, “Entre o amor e o cangaço”, “Selva trágica”, “A noiva da noite”, “O predileto”, “Guerra conjugal”, “Fogo morto”, “O menino da porteira”, “O crime de Zé Bigorna”, “Morte e vida Severina”, “A tenda dos milagres”, “O jogo da vida”, “Quem matou Pacífico”, “Cordão de ouro”, “Chuvas de verão”, “Coronel Delmiro Gouveia”, “Bye Bye Brasil”, “O bom burguês”, “O Guarani”, “O caçador de esmeraldas”, “Amor e traição”, “Águia na cabeça”, “O filho adotivo”, “Quilombo”, “Memórias do cárcere”, “Os trapalhões e o mágico de Orós”, “Por incrível que pareça”, “Dias melhores virão”, “A terceira margem do rio”, “Baile perfumado” e “O cangaceiro”.
Foi exatamente em “O cangaceiro”, de Aníbal Massaini, onde fazia o papel de um sertanejo, que o sertanejo Jofre Soares fez sua última participação no cinema.
Aos setenta e sete anos de vida terrena, numa segunda feira nublada da “paulicéia desvairada”, 19 de agosto de 1996, cumpriu, finalmente, o mandamento maior da única verdade absoluta.